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Campinas reduz em cerca de 60% recém-nascidos acolhidos em abrigos
Os serviços de acolhimento de Campinas têm recebido destaque no cenário nacional, sendo referência para outras regiões do País. Nos últimos anos, houve uma queda de quase 60% no número de recém-nascidos acolhidos em abrigos: de 18 bebês em 2014 e 2015, anos em que foram criados os serviços de acolhimento conjuntos para mãe e bebê, para oito em 2017. Em 2016 foram registrados cinco acolhimentos.
A queda na retirada de bebês das mães é uma inovação em política pública e segue normativas internacionais que determinam que crianças de 0 a 3 anos não podem estar fora do convívio familiar. De acordo com a secretária municipal de Assistência Social e Segurança Alimentar, Eliane Jocelaine Pereira, o contato dos bebês e crianças de até 3 anos com seus pais e familiares, e principalmente com suas mães, propicia um maior desenvolvimento cognitivo, social e de autorregulação da criança.
“O cuidado familiar protegido evitará impactos e estresses à criança e proporcionará que ela tenha um senso de equilíbrio emocional em fases posteriores de seu desenvolvimento. Esse cuidado e manutenção dos vínculos mãe com o bebê, que primamos em nossos serviços de acolhimento – especialmente na primeiríssima infância –, é que leva a essa redução do número de bebês em abrigos”, afirma Eliane.
Segundo a secretária, esses cuidados propiciam um estímulo ao desenvolvimento da criança e são realizados conforme estratégias inovadoras e aperfeiçoadas para manutenção dos vínculos entre mãe e bebê. “É sobretudo uma necessidade de proteção à primeira infância para que o investimento no cuidado hoje resulte em um futuro mais promissor para essa criança”.
Campinas e as diretrizes da ONU
Campinas trabalha para cumprir integralmente as diretrizes da ONU com relação a crianças afastadas dos cuidados parentais, segundo a coordenadora do plano para a Primeira Infância Campineira (PIC), Jane Valente, que também é assistente social da Prefeitura. “O Brasil é signatário da organização e o modelo de cuidados alternativos praticado por Campinas serve de referência para o País”, afirmou.
Jane destacou que o trabalho em Campinas é classificado como uma inovação, realizado com um rigor de política pública e com um olhar para o cuidado com as crianças, prevenindo a judicialização. O município se preocupa em realizar ações curativas e preventivas de modo a manter a criança em família.
Mesmo que haja necessidade de afastar temporariamente a criança do convívio com seus pais, há o encaminhamento para o serviço de família acolhedora que promoveu o acolhimento de 20 crianças de até 6 anos em 2015, 19 em 2016 e 25 em 2017. No período em que a criança está em família acolhedora, é realizado um trabalho em prol de sua reintegração à própria família, preservando o vínculo e a convivência entre irmãos e parentes.
O trabalho realizado pelos serviços de acolhimento tem sido ampliado ao longo dos anos, entre a Casa da Gestante, a Casa Lar e o Abrigo Feminino Santa Clara (para pessoas em situação de rua) foram acolhidas 13 mães grávidas ou com seus filhos em 2015, 36 em 2016 e 25 em 2017. O município segue na contramão de outros que aderiram a um movimento que promove a retirada compulsória de bebês de mães em situação de rua.
“Montamos o primeiro abrigo da Assistência Social, com a Caritas Campinas, para mulheres em situação de vulnerabilidade de risco, e a Casa Lar para adolescentes grávidas ou com bebês”, contou Jane. O abrigo da mulher adulta trabalha para a prevenção da separação da mãe e do bebê para que não chegue a fase de judicialização. Já a Casa Lar atua simultaneamente na atenção da mãe e da criança que já tem medida protetiva.
A Assistência Social implantada como política pública em Campinas tem feito uso de uma das importantes diretrizes da política nacional de assistência social, que é a vigilância socioassistencial, salientou Jane, trabalhando intimamente com a gestão dos serviços. “Isso tem sido revelado na possibilidade da criação de um cinturão de proteção, em que ações curativas implantadas em um aspecto da política repercutem em ações preventivas em outras, ou seja, ao proteger a população em situação de vulnerabilidade e risco previne-se a retirada das crianças de suas famílias, o que já se pode comprovar pelos dados”.
Outro destaque feito pela assistente social é com relação ao cuidado para os adolescentes que saem dos serviços de acolhimento. “Hoje Campinas tem duas repúblicas e três residências inclusivas evitando que esses adolescentes tenham a rua como porta de saída, por isso chamo de um cinturão de proteção”, afirmou Jane.
Serviços municipais em destaque
A coordenadora do PIC representou Campinas em dois eventos na última semana, ambos com o objetivo de abordar o trabalho de Campinas na área de acolhimento. Na 11ª Conferência Nacional de Assistência Social, por exemplo, Jane ministrou uma oficina apresentando as ações de Campinas nos últimos dez anos sobre reordenamento dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. “Essa boa prática aparece como um dos resultados que estamos colhendo como política pública de Estado”, disse. O evento foi realizado em Brasília, durante os dias 5 e 8 de dezembro, pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
A experiência de Campinas também foi ressaltada no V Seminário sobre a Qualidade dos Serviços de Acolhimento: o direito à convivência familiar e comunitária, realizado pela NECA – Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente, entre os dias 4 e 5 de dezembro, em São Paulo. O evento foi promovido em parceria com a Federação de Comunidades Educativas (FICE) Brasil e Internacional e com o Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária (MNPCFC), que reúne representantes de todos os estados brasileiros.
O secretário Nacional do MNPCFC, Patrick Reason, deu ênfase ao trabalho realizado pelo município de Campinas, por meio da Casa da Gestante da Secretaria Municipal de Saúde e Instituto Padre Haroldo, e aos abrigos de mulheres da Secretaria de Assistência. Reason fez uma projeção mostrando o número de mulheres atendidas e a queda do número de processos de retirada de bebês de suas mães, colocando Campinas como referência no cenário nacional.
Segundo ele, que também é presidente do Conselho Municipal da Assistência Social de Curitiba e da Associação Beneficente Encontro com Deus, a criança tem o direito à convivência familiar. “Lamentavelmente, em alguns territórios no Brasil, estão sendo feitas avaliações sob a capacidade da mãe cuidar do filho por ser dependente química ou estar em situação de rua, o que culmina com a retirada da criança. Há uma criminalização da pobreza com mulheres pobres sendo, muitas vezes, vistas como negligentes somente por sua condição financeira”.
Segundo ele, Campinas tem cumprido a demanda de prover espaços de proteção à criança e sua mãe. “Há impacto qualitativo, na percepção das mães sobre os serviços e a mudança de sua vida, e quantitativo na redução de quase 70% do número de recém-nascidos acolhidos em abrigo.
“Sempre haverá casos de acolhimento necessários e que precisam ser feitos com excelência, mas a manutenção da criança com sua mãe é importante para sua vida, sua história e para a formação do ser”, afirmou. De acordo com ele, a experiência de Campinas tem sido valiosa porque se preocupa em entender o que está ocorrendo com a mãe e promove um acolhimento conjunto de crianças com suas genitoras.