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Brasil

Especialistas apontam caminhos para recuperar a educação do país

Especialistas participantes de audiência pública promovida hoje (5) pelo Senado apontaram alguns caminhos que poderão ajudar o país a superar os efeitos perversos da pandemia da covid-19 na educação do país. Na avaliação dos expositores, as deficiências acumuladas mostram não só a desigualdade no ensino do país, mas a necessidade de inclusão social e de revisão do formato adotado para aprendizagem.

Na avaliação da diretora-geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Cláudia Costin, antes de tudo é necessário ao poder público, às famílias e a todos envolvidos no processo educativo do país, desenvolver o “sentido de urgência” no resgate das aprendizagens perdidas.

“Vamos parar de mascarar a realidade. Sim, muitas aprendizagens foram perdidas em um ano e meio de escolas fechadas”, alertou a diretora da FGV. Ela acredita que todas as aprendizagens podem ser resgatadas. “Mas isso requer esforços”.

Segundo Cláudia Costin, um passo importante a ser dado é o de tornar as escolas “espaços de aprendizagem colaborativa e de planejamento colaborativo”. 

“Professor aprende mais com outro professor”, disse, enfatizando que isso só será possível se o país “acabar com essa história de professores darem aulas em três ou quatro escolas diferentes”, o que, para ela, inviabiliza o foco na solução dos problemas nas instituições de ensino.

Tempo integral

Cláudia Costin foi enfática ao defender que as escolas passem a funcionar em tempo integral e em turno único, a exemplo do que já é praticado em vários outros países. “Aulas se dão em turno único de até 9 horas. Precisamos avançar nessa direção, com professores tendo dedicação exclusiva a uma única escola, de forma a não ficarem rodando em escolas. Professores precisam de tempo para um certo estudo dirigido e para uma certa orientação àqueles alunos que não têm ambiente em casa para recuperar a aprendizagem”.

Ela disse que as salas de leitura tendem, a partir das constatações nesses tempos de pandemia, a serem mais do que bibliotecas, transformando-se em espaços de multimédia. “Laboratórios equipados, porque não há como ter ensino significativo sem experimentação”, defende.

A diretora da FGV ressaltou que a defesa do ensino integral é ainda mais fundamental se for levado em conta que a educação brasileira não estava bem antes mesmo de a pandemia chegar, em especial com relação à alfabetização. Segundo ela, “54,73% dos estudantes acima dos 8 anos estão em níveis insuficientes de leitura, o que indica que provavelmente a abordagem, embora bonita e poética, não estava dando certo”.

“Além disso, apenas 10,8% dos jovens do terceiro ano do ensino médio aprenderam o suficiente em matemática; e 37,1% em português. Metade dos jovens brasileiros de 15 anos não têm nível básico em proficiência em leitura e interpretação de texto, o que é fundamental para qualquer profissão e para o exercício da cidadania”, acrescentou. E defendeu que não basta melhorar a aprendizagem, mas que “é importante que a desigualdade educacional brasileira, que já é muito grande, não cresça mais ainda, mas que diminua”.

Cultura digital

Cláudia Costin lembra que a “cultura digital” já vinha sendo trabalhada por vários países antes mesmo da pandemia. “Nesse sentido, a pandemia serviu de acelerador aqui no Brasil e acabou entrando na base nacional docente. O ensino híbrido também trouxe algumas aprendizagens importantes, apesar de não ser perfeito ainda”, disse.

A professora defende que educadores trabalhem o protagonismo do aluno, ensinando que é ele [o aluno] o “empreendedor da própria vida, além de um portador de sonhos”, e que o que ele aprende na escola “é fundamental para a construção do seu projeto de vida”.

“O aluno tem de ser formado para uma autonomia em que ele se sinta não alguém que deva se beneficiar de dependência, mas um ser independente e, ao mesmo tempo, solidário e colaborador para uma cidadania global. Nesse sentido, vai haver uma transformação importante na profissão de professor, inclusive com relação a um ensino híbrido”.

Nesse formato, ela disse que o professor pode preparar vídeos ou selecionar “entre os professores youtubers da internet” vídeos com os conceitos a serem ensinados.

“Ele então usa o melhor do seu talento na sala de aula – e no conceito de sala de aula invertida – para ensinar o aluno a aplicar esses conceitos que aprendeu em situações de realidade. Nesse sentido, o professor vai deixar de ser percebido como mero fornecedor de aulas expositivas e ser cada vez mais um assegurador de aprendizagem”, acrescenta.

Avanços e otimismo

Cláudia Costin disse que alguns avanços foram obtidos na história recente do país, o que, segundo ela, pode ser visto com otimismo. “Não há só dados de copo meio vazio. Há dados de copo meio cheio também. Houve avanços no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], índice que mede a qualidade da educação no fundamental 1 a cada edição do Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica] desde 2005. A gente vem melhorando, ainda que em um ritmo que eu gostaria que fosse mais acelerado”, disse.

Ela acrescenta que no fundamental 2 o país apresentou melhoras nas últimas cinco edições. “E na edição de 2019 demos um salto no ensino médio. Melhoramos por dois motivos. Um deles, por causa das melhoras que foram sendo progressivamente introduzidas no ensino fundamental”, disse e citou medidas como a de colocar um ano a mais no fundamental e a de passar a aliar a aprendizagem com outras medidas. “A expansão das escolas em vários estados também ajudou a melhorar”.

A especialista disse que o país está em um “patamar baixo” no ensino médio, já que nem todos conseguem acessá-lo ou concluí-lo. Ela, no entanto, vê alguns sinais positivos com relação a essa etapa de aprendizagem. “Em 2020, por exemplo, 69% dos jovens de 19 anos tinham concluído o ensino médio, o que é uma evolução na comparação com 2012, quando eram apenas 52%”.

Diagnósticos

A especialista em gestão escolar Shirley Ana Dutra corroborou com as avaliações feitas pela diretora da FGV, em especial no sentido de que a desigualdade social foi determinante para a forma como a pandemia afetou as pessoas, o que levou à necessidade de se “reinventar e descobrir novos caminhos” para a educação brasileira.

Para tanto, ela disse ser necessária a preparação de um diagnóstico sobre como professores e alunos estão nesse momento de retorno às escolas. “Esse diagnóstico é determinante para o novo fazer pedagógico”, disse.

“Diante dessas situações [decorrentes da pandemia], estamos todos doentes emocionais. É uma carga emocional muito forte, que poucos conseguem carregar em meio a tantas mudanças abruptas e inesperadas”, disse. “Mas os professores da rede pública são muito criativos e têm habilidade fora do comum. Mas precisamos cuidar do professor, assim como precisamos cuidar dos alunos”, acrescentou.

Shirley Dutra avalia que “mais do que nunca a educação está defasada em todos os sentidos: tecnologicamente, sem recursos e sem humanização. Vimos, no decorrer da pandemia, o quanto nossos alunos não conseguem se manter sozinhos fora da escola. E vimos o quanto a presença do professor é essencial”.

“Nossos alunos foram atingidos pelo déficit de aprendizagem e também de alimentação. Isso é real! Foram atingidos pela falta do convívio social e por problemas de saúde física, mental e emocional, que contribuem ainda mais para outras crises, como a da saúde, porque hoje professor e aluno estão adoecidos, e o sistema de saúde não tem como atender. Professores do DF [Distrito Federal], por exemplo, sequer têm plano de saúde. Então estão sem acompanhamento. É uma realidade muito triste”.

Orçamento

O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins, disse que os desafios para a retomada das aulas presenciais de maneira híbrida, e para a adoção de medidas visando a superação das deficiências acumuladas, envolvem “bilhões em orçamentos que não são cumpridos e a implementação do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]”.

“Precisamos discutir a aprovação do Sistema Nacional de Educação, que é fundamental, e o cumprimento das metas e estratégias dos planos decenais. E, de fato, é um absurdo e desumano aceitar jornadas de mais de 60 horas para professores”, defende.

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