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Forças antitalibãs pedem que novo governo não seja reconhecido
As forças antitalibãs no Afeganistão pedem à comunidade internacional para não reconhecer o novo governo anunciado nessa terça-feira (7) pelo grupo extremista. O gabinete interino – que não tem mulheres e consiste inteiramente de líderes talibãs ou seus coligados – foi criticado pelos Estados Unidos (EUA).
Na província de Panjshir, os combatentes que se opõem aos talibãs já afirmaram que o novo governo é “ilegal”.
A Frente Nacional de Resistência (NRF) considerou que o anúncio de novo executivo liderado pelos talibãs é “claro sinal de inimizade do grupo com o povo afegão”.
Apesar de o movimento islâmico afirmar que já derrotou a NRF no Vale de Panjshir, ao norte de Cabul, os líderes da Frente de Resistência Nacional dizem que ainda estão lutando.
Os talibãs, que assumiram o controle do Afeganistão em uma ampla ofensiva há mais de três semanas, enfrentam agora muitos desafios num país que está dilacerado pelo conflito, incluindo a estabilização da economia e a obtenção do reconhecimento internacional.
Centenas de afegãos se manifestaram ontem em pelo menos dois bairros de Cabul, denunciado a situação no vale de Panjshir e a ingerência do Paquistão, acusado de pretender controlar o país por meio dos talibãs, seus tradicionais aliados. O Paquistão nega ter qualquer interferência no país vizinho.
Entre os manifestantes incluíam-se numerosas mulheres, que receiam a sua exclusão da vida pública pelos talibãs como ocorreu em regime anterior regime, entre 1996 e 2001. Uma dessas mulheres levava a foto de uma policial que foi morta pelo movimento islâmico.
Os talibãs, que dispararam vários tiros para o ar, negam ter usado a violência para dispersar as manifestações.
Segundo a BBC, Washington afirmou em comunicado que “continuará a exigir que os talibãs cumpram os seus compromissos de permitir a passagem segura de estrangeiros e de afegãos com documentos de viagem, incluindo a permissão de voos prontos para partir do Afeganistão”.
Listas negras
Os talibãs anunciaram ontem o governo provisório, composto por homens, alguns dos quais veteranos extremistas dos anos 90 e da guerra de 20 anos contra a coligação internacional liderada pelos Estados Unidos.
O governo interino é liderado pelo mulá Mohammad Hassan Akhund, que está numa lista negra da Organização das Nações Uniudas. O ministro do Interior, Sirajuddin Haqqani, é procurado pelo FBI, que oferece recompensa de 4 milhões de euros pela sua captura.
O Departamento de Estado dos EUA afirma que está preocupado com “as filiações históricas de alguns membros do governo”.
“Notamos que a lista dos nomes anunciados é exclusivamente composta por membros dos talibãs ou de aliados próximos e nenhuma mulher”, declarou, em Doha, um porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.
“Estamos também preocupados com as ligações e os antecedentes de alguns desses indivíduos. No entanto, julgaremos os talibãs pelos atos e não pelas palavras”, acrescentou.
Mohammad Hassan Akhund, o novo primeiro-ministro interino, foi ministro dos Negócios Estrangeiros de 1996 a 2001, quando os talibãs estiveram no poder pela última vez. É mais influente do lado religioso do movimento do que do lado militar.
Sirajuddin Haqqani, o ministro do Interior em exercício, é o chefe do grupo islâmico conhecido como rede Haqqani, filiado aos talibãs, e que está por trás de alguns dos ataques mais mortais na guerra que dura há duas décadas no país – incluindo a explosão de um caminhão-bomba em Cabul em 2017, que provocou a morte de mais de 150 pessoas.
Ao contrário dos talibãs, a rede Haqqani foi designada como organização terrorista pelos Estados Unidos e mantém laços estreitos com a Al Qaeda.
Segundo o FBI, Sirajuddin Haqqani é procurado para interrogatório devido a um ataque em 2008 a um hotel, que matou um cidadão norte-americano, e responsável pelos ataques às forças norte-americanas no Afeganistão.
Sharia
O líder supremo dos talibãs, Hibatullah Akhundzada, cujas intervenções públicas são muito raras, pediu ao governo afegão anunciado pelos talibãs que respeite a lei ‘sharia’ (sistema jurídico do Islã com origem no Corão).
“Garanto a todos os nossos concidadãos que os governantes trabalharão duramente para manter as regras islâmicas e a lei ‘sharia’ no país”, disse Hibatullah Akhundzada em comunicado em inglês, que constitui a sua primeira mensagem desde que os talibãs tomaram o poder no Afeganistão, há mais de três semanas.
O líder talibã, que não aparecia em público há muito tempo, acrescentou que o novo governo procederá de modo que haja “paz, prosperidade e desenvolvimento duradouro” no país.
Em longa mensagem, Hibatullah Akhundzada disse ainda desejar “relações fortes e sãs com os vizinhos do Afeganistão e todos os outros países” e garantiu que seu regime tomará “medidas fortes e eficazes para a proteção dos direitos humanos”.
Existe grande expectativa em relação aos talibãs quanto a essa questão, após um primeiro governo marcado por repetidas brutalidades contra as mulheres.
O líder destacou a importância da educação, “uma das primeiras necessidades do país”. Assegurou que “todos os diplomatas estrangeiros, embaixadas, consulados, organizações humanitárias e investidores não terão qualquer problema” no país.
Nomeado para a liderança dos talibãs em maio de 2016, Hibatullah Akhundzada era, até então, um desconhecido do grande público, mais envolvido nas questões judiciais e religiosas do que nas manobras políticas.