Nossa Cidade
Pratas da Casa: Professora Dilcineia Lúcia Grecco
A convivência diária com as culturas alemã, pelo lado materno, e italiana, devido à origem paterna, moldou a personalidade da capixaba Dilcineia Lucia Grecco, 57 anos, servidora pública da Prefeitura Municipal de Campinas há 37 anos.
A professora de Educação Física tem uma trajetória marcada por multifunções no campo profissional e social. De boia fria ao pódio, como a segunda melhor atleta do país, no passado; do olhar apurado para detectar talentos ainda na infância aos cuidados com os alunos da melhor idade, no presente; a aposentadoria fica para o futuro. Ainda há projetos a realizar.
Dilcineia é professora da Secretaria de Esportes e Lazer do Município de Campinas. Ministra aulas de futsal e atletismo nas Praças de Esportes Argemiro Roque, no São Bernardo; Orestes Aulicínio, no Jardim Santa Mônica e no espaço Afrânio Ferreira Júnior, no Taquaral, para crianças e adultos da melhor idade.
Norteando o caminho nestas quase quatro décadas em Campinas, a força da motivação forjada no seio familiar, ligada à religiosidade e ao respeito ao ser humano, mais diretamente a quem sobrevive em condição de vulnerabilidade. E isso aqui, no dia a dia, e por dois meses e meio em Moçambique, na África, para onde foi em março de 2014, estadia definida por Dilcineia como “uma experiência amplificadora”.
Valores sólidos
A área rural da cidade de Domingos Martins, região serrana do Estado do Espírito Santo, foi o local da primeira residência da família. Em busca de novas e melhores condições, Cascavel, no interior do Paraná, recebeu os Grecco em seguida. Mas os tempos não foram fáceis. Receita pequena, despesa grande, sete filhos. Para reforçar a renda familiar, muitas vezes a frequência escolar ficava em segundo plano. Ainda com dez anos, a prioridade era trabalhar como boia fria para ajudar no sustento de todos.
Num determinado dia, Dilcinéia chamou a atenção de um grupo de professores de Educação Física – recém chegados de São Carlos – que tinham iniciado um trabalho de prospecção de talentos naquela área. Foi para a pista e impressionou: “mostrei a força e a determinação de quem tinha a responsabilidade de arrimo de família”, exemplificou.
Conseguiu se destacar no arremesso de peso, nas provas de velocidade, no salto em altura e nas demais categorias do atletismo. A cotização dos professores foi imediata: proporcionaram a ela reforço na alimentação, pagaram um curso de datilografia e providenciaram material esportivo.Quando possível, treinava com Sueli Pereira dos Santos, campeão brasileira e sul-americana, especialista no lançamento de dardo, tendo alcançado a marca, na época, de 61,98 metros.
A oportunidade que mudou uma vida
Mesmo ainda sem conseguir dedicar-se ao esporte como deveria, veio disputar o Troféu Brasil em São Paulo e conseguiu a medalha de prata na prova de lançamento de dardo em 1984, com 19 anos. Convencida por Argemiro Roque, então técnico de atletismo de Campinas, Dilcinéia abriu mão das propostas que recebeu do Sogipa de Porto Alegre e Gama Filho do Rio de Janeiro. Competiu pelo município nos Jogos Regionais e Abertos, em 1985, mas, apesar da solidariedade recebida dos amigos, que ofereciam a hospedagem, não conseguia se sustentar e voltou para Cascavel.
A grande mudança ocorreu quando o então prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, em ligação telefônica, ofereceu a Dilcineia a função de esportista. A proposta incluia meio período na pista, treino e aprendizado com seo Argemiro, e o restante do tempo dedicado ao trabalho administrativo. Assim, ainda em 1985, a esportista fez de Campinas sua morada definitiva.
Pouco tempo depois, estabilizada, cursou Educação Física na Puc Campinas. Com a impossibilidade de seguir competindo, fez vários outros cursos, como hidroginástica, hidrotreinamentos, iniciação com crianças, trabalho com idosos e treinamento militar. Adicionar conhecimento passou a ser sua obsessão: “Abri novas frentes. Preferi uma visão geral, sem especificação. Poder servir a todos”, complementou Dilcinéia.
O contato com as crianças da periferia permitiu à professora descobrir muitos talentos que não são vistos por falta de oportunidade. Conseguiu proporcionar a Vinícius de Carvalho uma chance na equipe de atletismo da Orcampi. Com vaga assegurada no Mundial sub 21, é campeão brasileiro e sul-americano, nos três mil metros com obstáculos. “Fiz uma campanha de doação de tênis entre os adultos. Sobrou um cor de rosa, era o número do Vinícius. Não quis nem saber. Pegou o tênis, foi treinar e se encontrou como atleta de potencial”,
assegurou Dilcineia.
(Será que a gente consegue um depoimento, curto, por fone mesmo, do Vinícius e/ou da Isabelle?)
Entre as mulheres, quem aproveitou a chance foi Izabella Martins Soldado, que ao demonstrar qualidade no primeiro treinamento básico com a professora Dilcineia, se transferiu para a Orcampi. Hoje, disputa a prova dos 400 metros c/barreiras, 400 m rasos e revezamento 4 x 400, integrando a equipe campeã do Troféu Brasil, nesta prova.
Dilcineia desenvolveu um projeto destinado ao Corpo de Bombeiros de Campinas, cujos integrantes passaram a frequentar aulas em dois períodos do dia, na Praça dos Trabalhadores, região da Vila Padre Manoel da Nóbrega. A melhoria no condicionamento físico e o crescimento da produtividade foram reconhecidos pelas autoridades da corporação, na época.
A repercussão foi tão positiva que as primeiras seis turmas da Guarda Municipal de Campinas, criada no ano de 1997 sob a orientação do advogado Ruyrilo Pedro Magalhães (vamos deixar o nome dele? Então deveríamos também colocar o nome do prefeito da época, acho que foi o Magalhães Teixeira) passaram por treinamento de aptidão física, formação e cuidados com o patrimônio público. E quem foi a professora? Dilcineia Grecco, com certeza.
Acidente traz reflexão e muda rota
O trabalho frenético, com inúmeras atividades, foi bruscamente interrompido por um grave acidente de carro. O risco de morte e a lenta recuperação trouxeram reflexão. A valorização da vida ganhou ainda mais força no roteiro de ações da professora Dilcineia. E intensificou a disposição para replicar os ensinamentos dos pais, os gestos dos professores que lhe abriram novas perspectivas quando ainda adolescente, e começou a atuar, voluntariamente, no acolhimento aos haitianos que passavam por privações no Brasil.
Depois, foi ainda mais longe. Ficou por mais de dois meses na cidade de Moamba, distrito de Maputo, em Moçambique, na África. Um trabalho voluntário desenvolvido em conjunto pelas comunidades Franciscana e Salesiana, da Igreja Católica.
“Foi um período intenso. Parece que fiquei lá por anos. Presenciei fome, sede, miséria e muita gente mutilada. Começava o trabalho às 7h da manhã e seguia até às 23h. Sem o mínimo de estrutura, com muito improviso, mas com a força da reciprocidade das pessoas. A movimentação era de todos. Inclusive dos amputados, que descobriram o arremesso de pedras, semente plantada e levada adiante, hoje, por um padre espanhol”, relembra Dilcineia.
O retorno à África está nos planos para daqui a alguns anos. Mas antes, a professora se impôs um trabalho fundamental aqui mesmo no Brasil: ajudar a difundir e capilarizar a prática da Educação Física e a consequente descoberta de talentos, levando estímulo, conhecimento e, na medida do possível, condições, para os professores das regiões mais distantes.
“Nos Estados Unidos e na Inglaterra, tive a oportunidade de constatar que a força do esporte vem das escolas. Não dá para levar à periferia, hoje, centenas de centros de treinamentos. Mas os professores de Educação Física podem e devem iniciar o trabalho desde a base para despertar o gosto pelo esporte, pelo treinamento, pela competição. Instigar o surgimento de grandes atletas, de medalhistas olímpicos. Eles continuam escondidos, distantes dos centros urbanos” lamenta.